Na iniciativa legislativa, aprovada esta terça-feira por 433 votos a favor, 100 contra e 99 abstenções, os eurodeputados salientam que as disparidades entre os sistemas sociais nacionais, as diferentes definições nacionais de artista e as regras aplicáveis aos trabalhadores independentes criam condições injustas.
Sublinham que o setor, que emprega 3,8% da mão de obra da UE e representa 4,4% do PIB, não está suficientemente protegido. Como o setor se caracteriza por padrões de trabalho atípicos, rendimentos irregulares e menor capacidade de negociação contratual, existe o risco mais elevado de trabalho mal remunerado ou não remunerado, de um falso trabalho por conta própria e a contratos de pagamento único. As novas tecnologias digitais, como a Inteligência Artificial, também colocam desafios, referem os eurodeputados no texto.
De acordo com um estudo do Parlamento Europeu, em 2021, em Portugal, os trabalhadores da cultura têm duas vezes mais probabilidades de trabalhar por conta própria do que os trabalhadores de outros setores.
A iniciativa legislativa
O Parlamento apela a um quadro da UE que combine instrumentos legislativos e não legislativos, com o propósito de melhorar as condições sociais e profissionais e criar uma situação justa e equitativa para todos os artistas e profissionais da cultura na UE.
Os eurodeputados querem que este quadro inclua:
- uma diretiva sobre condições de trabalho dignas e a correta determinação do estatuto profissional dos profissionais dos setores culturais e criativos;
- decisões do Conselho no sentido de criar normas europeias para o setor, através de uma plataforma europeia para a troca de boas práticas e a promoção do entendimento comum entre os Estados-Membros;
- adaptação do próximo ciclo de programas da UE que financiam profissionais do setor criativo e cultural, como o Europa Criativa e o Horizonte Europa, para obrigar a UE e os beneficiários a cumprir as obrigações laborais e sociais, nacionais ou coletivas, e assegurar que os artistas sejam sempre remunerados, incluindo o tempo gasto nos ensaios ou na preparação dos pedidos de financiamento.
Citações
«Temos de acabar com o mito do ‘artista faminto’. Os profissionais da cultura e do setor criativo não escolhem levar uma vida precária; trata-se de uma falha na conceção de sistemas inadequados às suas condições de trabalho específicas e aos desequilíbrios de poder no setor. Temos urgentemente de de acabar com os contratos de pagamento único, de incluir a condicionalidade social no financiamento cultural da UE e precisamos da vontade política para estabelecer um quadro europeu para a situação social e profissional dos profissionais dos setores cultural e criativo», afirmou o correlator da Comissão da Cultura e da Educação, Domenec Ruiz Devesa (S&D, Espanha).
« Trabalhei como artista durante anos e estou muito consciente dos desafios e benefícios que implica. Os setores cultural e criativo são cruciais para criar a solidariedade e a identidade europeias e temos de investir em novos concursos artísticos europeus para aproximar a cultura da UE dos seus cidadãos. O dinheiro para o trabalho cultural e criativo é um investimento, não um custo», acrescentou o correlator da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais, Antonius Manders (PPE, Países Baixos).
Próximas etapas
Após a votação em sessão plenária, a Comissão dispõe de três meses para responder, quer informando o Parlamento das medidas que tenciona tomar, quer apresentando razões para recusar propor legislação em conformidade com o pedido do Parlamento.
Contexto
Em 2022, em toda a UE, quase um terço (31,7%) dos profissionais dos setores cultural e artístico trabalhavam por conta própria, em comparação com uma média de 13,8 % em toda a economia.
Desde 2021, o Parlamento tem apelado à criação do estatuto europeu do artista. Nos termos do Tratado de Lisboa, o Parlamento Europeu tem um direito de iniciativa legislativa, o que lhe permite solicitar à Comissão a apresentação de propostas.